Ponto de Vista: Caminho de Compostela
5.4.22Ao querido amigo Luis Guilherme Pontes Tavares
Os vários caminhos de peregrinação para Santiago de Compostela recebem como denominações seus diferentes pontos de partida. O Caminho francês, o mais longo, sai da bela, cosmopolita, medieval e histórica comuna de Saint-Jean-Pied-de-Port, nos Pireneus Atlânticos, no sudoeste da França, hoje, com cerca de dois mil habitantes. Saint-Jean está situada no lado francês do País Basco, região com um dos IDH mais altos do Mundo.
É daí que partiremos amanhã, para percorrer os 840km até a famosa Catedral, batizada em homenagem ao apóstolo Tiago, assassinado na Galícia, no ano de 44, quando pastoreava humanos, pregando o Cristianismo, segundo uma das versões sobre o seu misterioso destino, após a crucificação de Jesus. O que está fora de dúvidas é o papel protetor que as peregrinações, iniciadas no Século IX, exerceram sobre as populações ibéricas, contra os invasores muçulmanos que dominavam a Península desde que a invadiram no ano de 711.
Os milhares de livros escritos sobre o Caminho apontam múltiplas razões para a realização do seu sagrado percurso, bem como as mais diferentes consequências, para o bem estar mental e espiritual dos seus protagonistas. Entre esses trabalhos, aconselho os últimos que li, Uma mochila e nada mais, da baiana Sandra Azevedo, e Uma Década no Caminho de Santiago, Relatos Peregrinos, coordenado pelo também baiano Ancelmo da Rocha, que escreveu o depoimento mais completo, com excelentes narrativas de Ailton Sepúlveda, Andréa Andrade Sauer, Andréa G. R. Detoni, Carlos Souza, Celeste Moura, Edilson Freire, Eduardo Marangon, Fernando e Katarine Barreiro, Fernando Corrêa, Fernando Dultra, Ivo Galli, Jamil Cabús Neto, Jorge Rêgo, José Luiz dos Santos, José Perez Garrido, Letícia Freire, Marcos Lopez, Maria Nascimento, Pablo Detoni, Paulo Lanna, Rosana Marques e Vera Comerlato, além de mais um texto de Sandra Azevedo. A cada um desses peregrinos, antecipamos nossos agradecimentos pelas valiosas lições que elevaram nosso propósito de fazer o Caminho.
Nossa motivação, sem dúvida, se situa entre as mais prosaicas: gostamos de caminhar, praticar esportes ao ar livre, de conhecer a intimidade dos lugares e de eleger pequenos desafios. Nada de caráter religioso, metafísico ou heróico integra nossa decisão de deixar o aconchego da família, que inclui netos de quatro pés, o conforto da rotina de ler, escrever e malhar, receber amigos para o papo regado a vinho, no entardecer do incomparável pôr-do-sol sobre a Baía de Todos os Santos, discutir com a diretoria e associados novas iniciativas para o IGHB, pelo desconforto físico de uma jornada peripatética, com média diária de 28km, percorridos a pé. De muito positivo, certamente, será a renovação da consciência de que as melhores coisas da vida constam do que, como regra, diariamente auferimos, não raro, com olímpica indiferença, como estar sem sentir dor, passar fome ou sede, dormir ao abrigo de calor ou frio excessivos, certezas ausentes em quem decide fazer o Caminho.
Nada impede, porém, que dediquemos a intenção de nosso périplo a um propósito elevado, ainda que vazio de santidade, como o fim da guerra contra a Ucrânia que assegura, sem a menor margem de dúvidas, ao ditador Putin, a indisputável liderança como o ser humano mais odiado de todos os homens, até porque os maiores genocidas, no tempo e no espaço - Mao Tsé-Tung, Josef Stalin e Hitler-, inspiravam opiniões divididas, a respeito de sua crueldade, diferentemente da unanimidade do desprezo que o Mundo vota ao bufão Vladimir Putin. Temos esperança de que o anúncio da suspensão das hostilidades ocorra paralelamente aos primeiros passos de nossa caminhada, e a costura da totalidade dos termos de convivência pacífica sejam anunciados antes mesmo de abraçarmos a imagem do Santo Apóstolo, nos últimos dias desse masoquístico desafio.
Penso que, nem assim, Putin não escapará do mais completo naufrágio moral.
Por Joaci Góes
PUBLICADO EM: Tribuna da Bahia - 31 de março de 2022
IMAGEM DE CAPA: Andre Grunden
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