Ponto de Vista: Sesquicentenário da morte de Castro Alves

17.7.21


Para a eminente e culta magistrada Marielza Brandão! 


Ai, minha triste fronte, aonde as multidões lançaram misturadas glórias e maldições

Castro Alves 


Na última terça-feira, 6 de julho, a poesia reverenciou os 150 anos da morte de Castro Alves, aos 24 anos. Nenhuma poesia exerceu no Brasil tanta influência quanto a sua. Além de ser o maior poeta brasileiro de todos os tempos, é, também, o maior poeta da língua portuguesa e das Américas. 

Elegante, pálido, olhos grandes e vivazes, voz poderosa, cabeleira basta e negra, bigodes bem cuidados, sua personalidade arrebatadora se impunha à admiração dos homens e à paixão das mulheres, como descrito pelos seus biógrafos, dentre os quais os baianos Afrânio Peixoto, Pedro Calmon, Jorge Amado e Aramis Ribeiro Costa.  É considerado o mais inspirado de todos os poetas de nosso idioma, não apenas pela grandiloquência do estro hiperbólico, pela sensibilidade e beleza formal, como pela profundidade, amplitude e atualidade da sua exuberante e inconfundível poética. Acrescente-se que nenhum poeta da língua portuguesa incorporou à sua poesia tanta erudição apropriada, e nenhum pode rivalizar no ritmo alucinante, nem na riqueza vocabular dos seus versos. Em sua poesia amorosa, Castro Alves valorizou a sensualidade e o erotismo, as paixões tórridas, a melancolia e não raro o tédio, ao tempo em que flertava com a morte, ora atraindo-a, ora a repudiando com veemência. Com Castro Alves, a poesia romântica no Brasil, a um só tempo, evoluiu, amadureceu, alcançou a plenitude e morreu.  

A importância de Castro Alves na vida brasileira vai muito além de sua literatura. Afirma-se, também, pela defesa que fez dos povos oprimidos, os judeus e os escravos. Vestiu os valores morais com a roupagem dos deuses, ao recorrer à linguagem olímpica, através de palavras como águia, falcão, condor, sol, céu, mar, estrelas, abismo, infinito, escravos, grilhões, ferros, aguilhões. Seus temas centrais foram a libertação dos escravos e a defesa da República, que só seria proclamada depois de sua morte. Sua hipérbole em favor da democracia é imbatível: “A praça, a praça é do povo como o céu é do condor”. Assoalhou o luxo da Igreja ao concitar as massas: “Quebre-se o cetro do papa, faça-se dele uma cruz; a púrpura sirva ao povo pra cobrir os ombros nus”. 

No poema Ahasverus e o Gênio, defendeu, como ninguém, o povo judeu, o “eterno viajor de eterna senda, espantado a fugir de tenda em tenda, fugindo embalde à vingadora voz”!  

Mais do que o poeta grego Hesíodo que viveu no Século VIII a. C., Castro Alves merece o título de Poeta dos Escravos. Quem poderia rivalizar com ele na luta para extinguir a escravidão, na qual avultam os poemas Vozes D´África (1868) e Navio Negreiro (1868)?  

Os assuntos mais sensíveis aos indivíduos e aos povos compuseram o objeto de seu processo criativo, com predominância do amor, liberdade, justiça, o saber, materializado no livro:  


Oh! bendito, o que semeia,  

livros, livros a mancheias  

e manda o povo pensar. 

O livro caindo n´alma  

é germe que faz a palma, 

é chuva que faz o mar.  


Seu poema “O hóspede” é considerado o momento mais sublime do lirismo da língua portuguesa, em que exprime o sentimento vão que nutria por ele Leonídia Fraga, sua musa infeliz que morreu enlouquecida de amor, agarrada a uma pequena trouxa onde guardava os poemas que Cecéu, amigo adorado desde a infância, escreveu para ela.  

Para honrar gente como Castro Alves e Luís Gama, a construção do Museu da Libertação, na chácara Boa Vista, em Brotas, onde Castro Alves morou, é obra que um dia se imporá a governantes e cidadãos estadistas.  



Por Joaci Góes


PUBLICADO EM: Tribuna da Bahia - 8 de julho de 2021

IMAGEM DE CAPA: Divulgação - estudopratico.com

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