Se Bob Dylan tivesse ouvido sua mãe
11.6.21Coisa que gosto de fazer quando vejo pessoas que admiro narrando detalhes de suas vidas é imaginá-las sob o efeito de um “se” em seus caminhos, essas letrinhas aparentemente tão frágeis, mas que, na forma de uma conjunção antecedendo nomes próprios, adquirem o enorme poder de mudar para sempre a rota daqueles a elas submetidos.
Já contei essa história aqui, mas o assunto permite um repeteco. Anos atrás, ainda em dúvida se levava jeito para ritmar palavras de uma forma que mantivesse o leitor no compasso da dança, fiz uma brincadeira com João Ubaldo Ribeiro exatamente usando o “se” no contexto de sua jornada. E aí, como O Globo não publicava seu e-mail, tive a ousadia de fazer Zuenir Ventura de ponte na esperança de que ela chegasse até ele.
Nela eu viajava no que poderia ter acontecido se seu pai, o velho e rígido professor Manuel Ribeiro, ao invés de lhe obrigar a ler os clássicos e mandá-lo estudar em Salvador, tivesse lhe deixado solto lá pras bandas de Sergipe. Nesse caso, eu brincava dizendo que no lugar de ter conhecido Glauber, Joca, Jorge Amado, Carlos Navarro, Waltinho Queiroz e que tais, certamente ele teria se apaixonado por uma bela morena da cidade de Lagarto, cujo sorriso brejeiro substituiria para sempre o do réptil do seu livro que, ô tragédia!, sequer existiria.
Dias depois, ao abrir o velho Bol, lá estava uma inesperada e carinhosa resposta de meu escriba favorito dizendo-se muito feliz em receber texto tão espirituoso e bem escrito de alguém que, veja só, ele pedia desculpa por não se lembrar, como se este ribeirinho tivesse feito parte de seu cotidiano nas quebradas do Colégio Central, fato que, covenhamos, provavelmente teria me afastado desse rio que ora se eriça como querendo me caçoar, dizendo: “isso só se ‘se’, seu velho besta, só se ‘se’!”.
Mas voltando ao assunto que o título sugere, semana passada Bob Dylan fez 80 anos, essa idade que segundo Cacá Diegues (hoje ocupando o mesmo espaço de Ubaldo no O Globo), joga nas costas de quem a faz tantas homenagens e entrevistas, que graças a Deus ele completou 81.
E nesse começo de mais um junho sem balões no ar e baiões nos salões, leio que sua mãe - quando ele ainda atendia por Bobby Zimmerman – vivia lhe pedindo para deixar de escrever poesias e fosse atrás de uma carreira normal. A resposta dele só veio em 1964, através da canção The Times They Are a Changing (Os Tempos Estão Mudando), que diz: “Não critiquem o que vocês não podem entender. Seus filhos e filhas estão além de seu comando”. Na mosca.
O certo, my friend Bob, é correr atrás, pra que essa coisinha subordinativa condicional nunca precise ser citada como razão dos erros ou acertos que as escolhas de nossos pais e mães possam nos causar. Um brinde ao genial Mr. Dylan.
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