Lua que inspira poetas e desencalha navios

10.4.21


Caetano a confirma de São Jorge e a descreve azul verdejante, cheia, branca, inteira, deslumbrante cauda de pavão.

Manuel Bandeira, olhando-a de seu quarto que dava pro nascente a preferia nova, pois cheia lembrava-lhe um sol demente.

Frank Sinatra pede um beijo da amada, pois isso o fará voar até ela (Fly Me to the Moon), onde aí poderá brincar entre os planetas e ver como é a primavera por lá.

Paulo Leminski conta que um dia ela foi ao cinema onde passava um filme engraçado, a história de uma estrela que não tinha namorado. E aí ela ficou tão triste com aquela história de amor, que até hoje ela insiste: - Amanheça, por favor!

O MPB-4 canta que quem a chama de velha, mente, pois assim que ela roda, já é nova novamente.

Cecília Meireles, como ela, tinha fases. Fases de andar escondida, de sair pra rua, de se perder na vida. E nesses ciclos, muitas vezes na hora de ser de alguém, Cecília então minguava e não era de ninguém.

Herbert Vianna, diante de sua gravidade, defende que ela seja visitada por bailarinos, não por militares.

Vinicius de Morais declama que ela se oferece aos poetas eriçada de viço, ora ardente, ora se curvando em sensual arco de delírio, até que eles somem em plumas e ela aí adormece, porém, provocantemente nua.

Jessier Quirino, no seu Bolero de Isabel, ensina que quem quiser ver boniteza que a veja depois da auroridade vermelha e da claridade amarelada do amanhecer, com sua luz resplandecendo a pele nua da amada na harmonia que o inverno faz nascer.

Milton Nascimento canta que quando ela traça no Céu um compasso, ele só pensa em fazer um travesseiro dos seus braços.

Luiz Gonzaga traz o recado de Catulo da Paixão, de que quando ela nasce por detrás da verde mata parecendo um sol de prata branquejando a escuridão, é hora da viola pontear saudades nas noites frescas do sertão.

Marcos e Paulo Sérgio Valle pegam o mote e dizem que as mesmas mãos que no sertão tocam violas, se preciso pegam fuzis e espadas pra lutar por liberdades enluaradas.

Drummond, depois de dizer ao mundo que se se chamasse Raimundo seria apenas uma rima, se confessa comovido como o diabo com sua luz refletindo o conhaque no seu copo.

João de Lemos, diante de sua palidez no fog londrino, implora-lhe que retornem a Portugal, onde lá os dois voltariam a ser como Deus os fez: ele, tendo de volta sua vida; ela, brilhando despida, livre do Céu inglês.

O Ever Given, após 144 horas encalhado no Canal de Suez, sente seu casco mover-se e, diante dela valsando entre a Jordânia e o Egito, solta um apito de agradecimento, como se dissesse: “Bastou você alinhar-se ao Sol que ninguém via, que a maré subiu em versos e eu flutuei na poesia”.

Pra Dimitri (pelo carinho), Nelson Pretto (idem) e Vitor Hugo (por ter a Lua de Glória luzindo na retina).


Por Janio Ferreira Soares



Janio Ferreira Soares, cronista, é secretário de Cultura de Paulo Afonso, na margem baiana do Rio São Francisco.


IMAGEM DE CAPA: Robert Karkowski por Pixabay 

Você também pode curtir

0 comentários