Sophia Loren morreu? Viva Sophia Loren!
6.12.20É prática comum nas grandes redes de comunicação ter em seus arquivos centenas de obituários de celebridades prontos para ir ao ar logo após suas mortes. O The New Yorker Times, por exemplo, tem mais de 1.800 deles a um clique do suspiro final dos moribundos (ou “moribundes”, que é pra seguir a moda dessa nova linguística sem gênero gramatical definido que ativistas “modernes” tentam impor à nossa inculta e bela, talvez em homenagem ao velho Mussum. “Cacildes!”).
Pois bem, dito isto, estava na cara que mais cedo ou mais tarde aconteceria o óbvio. E ele veio na semana passada, quando o portal da RFI (Rádio França Internacional), por uma falha do seu site, publicou cerca de cem obituários de pessoas vivinhas da Silva, causando um rebuliço danado tanto nos leitores (seguramente surpresos pela repentina fome da velha senhora) quanto em alguns dos pseudofinados, que depois de se beliscarem para tirar quaisquer dúvidas em relação ao ocorrido, pelo menos tiveram a chance de saber o que irão falar deles depois de suas partidas.
Entre os que “morreram” em decorrência da precipitada foiçada cibernética estavam, entre outros, o nosso Pelé, a francesa Brigitte Bardot, a Rainha Elizabeth II, o ex-presidente americano Jimmy Carter, o grande ator e diretor Clint Eastwood e a atriz italiana Sophia Loren, que do alto de seus 86 anos acaba de estrelar Rosa e Momo, um belo filme em cartaz na Netflix e companhia perfeita pra este velho escriba na forçada solidão que a suspeita do Covid provocou. Explico.
Há exatos 15 dias, enquanto você me dava à honra neste mesmo espaço, senti uma espécie de queimação na pele seguida por uma estranha sensação de arrepio, quase semelhante à primeira vez que ouvi Milton cantando Encontros e Despedidas. Prevenido e temeroso pelos meus, me isolei no quarto e lá, entre termômetros, oxímetros e pitacos que iam de remédio de verme a chá de jurema preta, eis que surge dona Sophia como se fora uma mamma napolitana prestes a me servir um espaguete ao vôngole, tendo no semblante aquela característica aura dos que sabem adubar cada ruga que o arado do tempo traça em nosso roçado.
Dirigida por Edoardo Ponti (seu filho com o também diretor Carlo Ponti, com quem foi casada por 50 anos), ela interpreta Madame Rosa, uma ex-prostituta sobrevivente do holocausto, que acolhe em sua casa filhos de algumas prostitutas em atividade, além de Momo, um órfão senegalês, pivô de uma comovente relação que encerro aqui, que é pra não estragar o aroma de manjericão que perfuma a trama.
Ah, sim, testei positivo, mas até o momento em que teclo estas linhas estou igual ao suicida otimista da piada, que ao passar pelas janelas do prédio antes de se espatifar no chão, repetia: “até aqui, tudo bem!”. Simbora!
Por Janio Ferreira Soares
Janio Ferreira Soares, cronista, é secretário de Cultura de Paulo Afonso, na margem baiana do Rio São Francisco
PUBLICADO EM: Bahia em Pauta - 06 de dezembro de 2020
IMAGEM DE CAPA: Cine Pop
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