Um poeta imenso!
5.11.20Era uma vez a poesia. Aquela poesia que me acompanha desde que nasci.
Tinha quase sete anos, vestida de bailarina -- que eu sabia ser há quase três anos -- declamei Cecília Meirelles: "Essa menina, tão pequenina, quer ser bailarina! " O poeta riu da graça da pequena. Aquele amigo de papai era Poeta! "Um poeta imenso vem aqui", meu pai disse cedo, e eu fiquei esperando um homem muito gordo e muito alto. Não era assim, era mais para baixo, mais para magro, tinha os olhos lindos e era muito engraçado. Rimos juntos. Então mamãe trouxe o meu livro de autógrafos e pediu: "Escreve uma palavra para ela guardar de recordação". E ele escreveu um poema para mim, só para mim. Fiquei cheinha de felicidade, aprendi de cor e declamei para minhas amigas e professora. Guardei como o tesouro que na verdade é.
Tinha 15 anos e já sabia de memória todos os poemas daquela primeira antologia que minha prima Janaína deu. Ao mesmo tempo romântica e revolucionária, escrevi nas portas dos armários do quarto os sonetos de Fidelidade e de Separação, intercalados por duas gacelas de Lorca, enquanto nas festas da escola declamava O Operário em Construção. O poeta imenso começava a ser chamado de poetinha, escrevia canções que eu também decorava e cantava o dia inteiro. Ai minha amada, que olhos os teus...Ele veio em casa, agora na Bahia, viu o meu armário, autografou as portas.
Um 2 de julho cheguei em casa de disco novo em punho. Gravação de show numa boate, Vinícius cantava com Caymmi, o Quarteto em Cy e o conjunto do Oscar Castro Neves (que eu achava um pão). Caymmi já tinha chegado para os festejos do cinquentenário de mamãe, estava na sala jogando conversa fora com papai, aproveitei para pedir que autografasse o long play. (Um ano depois foi a vez de Vinícius dar o seu autógrafo). Cyva, do quarteto, tinha sido minha professora de português no Andrews e eu estava íntima do disco, mesmo antes de ouvi-lo, naqueles exageros da adolescência.
Foi quando escutei Minha Namorada pela primeira vez. Sectária militante do movimento estudantil, pronta para acabar com a Ditadura Militar no grito, acreditava que quem não pensasse como eu era definitivamente reacionário. Então cheguei para papai e disse: "Estou decepcionada com o Vinícius, ele é um reacionário!" Papai me olhou surpreso, não conseguia entender porque. "Você não ouviu a música nova? Ele diz que a namorada tem que ser dele até morrer. Imagina, alguém querer que o outro seja seu até morrer... " Papai riu aliviado, então era isso? Depois ficou sério e, com a ajuda do poeta e de sua poesia, me ensinou: "Filha, a gente só ama quando é até a morte, mesmo que o amor acabe amanhã. Se não for até a morte, não é amor. Volte ao seu quarto e leia outra vez os sonetos que o enfeitam. Entenda bem o significado de ser infinito enquanto durar e porque de repente do riso faz-se pranto. Vinícius tem toda a razão, ele sabe o que diz, já amou até a morte várias vezes, e ainda há de amar muitas outras antes de morrer. E já é tempo, meu bem, de parar de taxar todo mundo de reacionário."
O poeta ajudou meu pai a me ensinar o que é amar e também quão relativo pode ser o tempo, o "para sempre por um triz", como cantaram Chico e Edu, parceiros do Poeta. Aprendi com Vinícius a encontrar na poesia as palavras certas para as horas exatas. Quando estava com saudades e pensava no meu amor que estava longe, imediatamente me vinha O Mergulhador à cabeça:
Amo-te o colo pleno, onda de pluma e âmbar
Onda lenta e sozinha onde se exaure o mar
E onde é bom mergulhar até romper-me o sangue
E me afogar de amor e chorar e chorar.
Meu poeta preferido fez 107 anos no dia 20, e eu quero cantar para ele, não um "parabéns para você" e sim: "Eu sei que vou te amar, por toda a minha vida", pois meu amor é verdadeiro e durará até a morte.
Um Poeta Imenso!
(E dando os trâmites por findos
Há a perspectiva do domingo
Porque hoje é sábado.)
Bom domingo de poesia a todos, e um beijo especial a Gildinha Matoso.
Por Paloma Amado
PUBLICADO EM: Facebook - Paloma Amado
IMAGEM DE CAPA: Blog Estante Virtual
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