Mais uma eleição nas quebradas do sertão

21.11.20


Comecinho da manhã de domingo, 15 de novembro e bombas explodem nas imediações da minha aldeia, não para anunciar as novenas que sobejam por aqui. O motivo do foguetório é uma espécie de “se ligue que a eleição começa já”, fato que, pensando bem, também tem algo de religioso, pois a maioria dos eleitores digita o número de seu candidato como se pagasse antecipadamente uma graça que só será alcançada se seu “santo” vencer e tiver caráter suficiente para cumprir a promessa.

A primeira eleição que tenho na memória ocorreu em outubro de 1962, em Glória (BA), quando seu Zé Casimiro (PSD) e meu querido tio Lindemar (UDN), disputaram voto a voto a honra de ocupar a cadeira situada sobre o piso de um casarão próximo a uma das muitas curvas que o São Francisco fazia antes de se jogar nas cachoeiras de Paulo Afonso. Naquele tempo a eleição era um acontecimento, onde as pessoas vestiam as melhores roupas e se dirigiam às seções como se estivessem indo ao baile do clube municipal na noite de Santo Reis.

Pois bem, encerrado o primeiro dia de apuração (devido ao atraso do Juiz Eleitoral houve a necessidade de interromper a contagem) e faltando apenas abrir a urna do povoado Brejo do Burgo, a comemoração em frente à casa de seu Zé Casimiro, então com sete votos de frente, varou a madrugada, contrastando com o ambiente fúnebre na casa de minha avó Aristéia, onde rostos abatidos e velas acesas pra Santo Antônio reforçavam o clima de velório.

Com apenas quatro anos de idade e ainda sem entender quase nada dessas coisas, conta minha tia Aldinha que eu estava meio desolado num canto do quarto, quando ela me pegou no colo e disse: “Não se importe não, meu filho, mas parece que o seu Dadá vai perder”, no que eu, entre o sono chegando e o beicinho antecipando o pranto, respondi, no pronome característico da infância: “Eu se importo, sim!”.

Manhã seguinte, por ser outubro, o dia amanheceu como só o décimo mês tem a capacidade de deixá-lo, com as cores das folhas novas dos tamarineiros e umbuzeiros verdejando de uma forma tal, que a rua mais parecia um final feliz de um conto dos Irmãos Grimm. E foi assim, com apenas 24 votos válidos na última urna - e com poucos e desanimados udenistas acompanhando a quase impossível virada -, que o nome “Lindemar” foi gritado pelo escrutinador por 18 vezes, enquanto “Zé Casimiro” repetiu-se por apenas 6, o que levou o “meu” Dadá a vencer por 5 votos, provocando em Valdemarzinho o grito de: “Ô negro de sorte!”, que se atualmente soa inconcebível, à época refletia unicamente uma expressão de carinho entre amigos de uma terra que hoje jaz.

Em tempo: tia Aldinha fez 94 anos este mês. Em dezembro será a vez de Dadá soprar o mesmo número de velinhas. A eles, o meu mais terno amor.


Por Janio Ferreira Soares


Janio Ferreira Soares, cronista, é secretário de Cultura de Paulo Afonso, na beirada baiana do Rio São Francisco.


IMAGEM DE CAPA:  RGY23 por Pixabay 

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