Os Arcos da Montanha
28.10.20Os Arcos da Montanha estão de cara nova, colorido em evidência na fachada, e o corpinho reformulado com intervenções arquitetônicas que arejaram e higienizaram o secular espaço. Os arcos foram projetados como sustentáculo da Ladeira da Montanha, logo após o desabamento de parte da Ladeira da Conceição, em 1871, soterrando casas embaixo, na Rua da Preguiça. As abóbodas começaram a ser construídas em 1873, no ano seguinte, segundo o relatório anual do Presidente da Província, dois arcos tinham sido concluídos e outros dois já tinham os alicerces.
Em 1878, as obras da Montanha, depois de penosa e demorada construção, estavam oficialmente concluídas e começava a ocupação das habitações na Ladeira da Conceição, num modelo que previa um estabelecimento comercial no térreo e residência no andar superior. Oficinas de marcenaria, ferragens, solda, entalhe, mármore, tornearia, carpintaria e de outras atividades correlatas. Como chegaram e se instalaram e se foi doação, aquisição, ou locação, não sabemos. Em inícios da década de 1880, encontramos entre os artífices com oficinas nos arcos, o serralheiro Manoel Paes Limeira e o marceneiro Cassiano José de Araújo, este, detido pela polícia, certa feita, por queimar na rua a serragem acumulada no seu estabelecimento.
E na década de 1890, os torneiros João Lázaro dos Santos, José Manoel do Sacramento, Raimundo Vieira do Nascimento e Ângelo Ferreira; o marceneiro José Manuel Ivo e o ferreiro Cleto Rodrigues da Silva, dentre outros. No início do século XX, funcionavam no local as oficinas de marcenaria de Antônio Lopes e Alípio Antero de Souza; o depósito de móveis de Manoel Salustiano do Bonfim; o polieiro Francisco Lourenço Trigueiros; o entalhador João Raimundo Carrascosa. Também, o ferreiro Manoel Felix Menezes Alvarenga, com a patente de Tenente Coronel, suponho que da reserva.
Edgard de Cerqueira Falcão, no seu livro Encantos Tradicionais da Bahia, com magnificas aquarelas de Albernaz, cita um anedota deste personagem, conta o milagre mas não identifica o santo: “Numa delas possuía oficina de ferreiro certo personagem excêntrico, já falecido, ao qual sucedeu chistoso episódio, que nunca mais lhe deu sossego. Costumava o artífice, fora da tenda, trajar-se com indumentaria apurada e frequentar saraus familiares. De uma feita enamorara-se de simpática senhorita, dizendo-se artista do teclado, ao declara-lhe suas intenções. Transitando certo dia a Dulcineia pela Ladeira da Conceição, e deparando-se a percutir o malho, na bigorna, interpelou-o a respeito. E a pergunta da namorada fez-se estribilho dos gaiatos: “Alvarenga, seu piano tem bom som?”.
Em 1912, a degradação dos arcos da montanha era um problema de saúde pública, moradores de algumas casas despejavam o esgoto na rua, o que provocou a interdição dos arcos. A ordem não foi cumprida e, três anos depois, se avolumavam as denuncias de sujeira, mau cheiro e ocupação de alguns dos arcos por mendigos e doentes mentais. A degradação do espaço continuou por décadas, o entorno do local se tornou zona de prostituição e o crescimento da cidade deslocou para outras áreas do centro, e outros bairros, esses artífices. Alguns ficaram. Filhos e netos dos ocupantes mais antigos, para resguardar o ponto já conhecido pela clientela.
Grandes perdas ocorreram por conta da degradação, inclusive imateriais como a tradição modificada da passagem pela rua das procissões de São José e em especial a de Nossa Senhora da Conceição da Praia, em 08 de dezembro.
Por Nelson Varón Cadena
PUBLICADO EM: Jornal Correio - 08/10/2020
IMAGEM DE CAPA: Aquarela de Albernaz - Disponível aqui
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