O CRIADOR DA TAPEÇARIA-MURAL NO BRASIL

19.8.20

Mural que você pode apreciar no restaurante no Hotel da Bahia. Uma obra que merece ser vista por todos os baianos


É bom sempre lembrar das pessoas que em vida construíram um legado importante, não de riqueza,  mas de arte e beleza. Num desses acasos da vida me chegou às mãos através do amigo e artista conceituado Justino Marinho  um farto material sobre a vida e obra de um dos artistas baianos mais consagrados que é o Genaro de Carvalho. Artista emblemático que já teve textos escritos enaltecendo sua criatividade por Jorge Amado, os poetas Manuel Bandeira, Augusto Frederico Schmidt e Ferreira Goulart, além de inúmeros críticos de arte importantes dentre eles o Clarival Prado Valadares. 

Portanto, é de certa forma uma ousadia falar sobre ele depois de tantos elogios feitos por estes grandes intelectuais. Mas, aprendi durante algumas décadas de atividade jornalística diária a conviver com muita gente de alta linhagem intelectual , até mesmo de poder político e econômico. Assim, me sinto estimulado a escrever algumas palavras sobre Genaro, contribuindo para manter sempre viva a sua arte rica em cores do nosso micro universo tropical.

Ele nasceu num pedacinho de terra privilegiado de nossa Salvador, na Gamboa de Cima, exatamente na rua Newton Prado, 59, casa esta debruçada sobre o mar da Baía de Todos os Santos, no dia 10 de novembro de 1926, e foi batizado como Genaro Antônio Dantas de Carvalho. Aos quatro anos de idade deu uma clara demonstração que trazia consigo a vontade de criar. De posse de uma caixa do tônico, conhecido na época o Glefina,  recortou e fez uma montagem tentando reproduzir a Ilha de Itaparica, que se descortinava no horizonte. Utilizou ainda do Azul de Metileno para colorir a sua "obra" infantil e dar-lhe mais beleza.

Em março de 1944 viaja para o Rio de Janeiro  e vai  estudar Desenho na Sociedade de Belas Artes, com o professor Henrique Cavalheira, enquanto paralelamente  cursou o  científico no Colégio Andrews. Tendo entrado em contato com a arte feita naquela época no sul do país, e mesmo no exterior, já em setembro do mesmo ano integra o grupo de artistas baianos que decidiu romper com o academicismo que tinha a Escola de Belas Artes como guardiã. Foi ai que juntamente com Carlos Bastos e Mário Cravo Jr. começou a mostrar sua arte com elementos do modernismo. Depois de realizar duas exposições no Rio de Janeiro , só no ano de 1947 expõe pela primeira vez individualmente na Bahia, na Biblioteca Pública de Salvador, e no ano seguinte na icônica Boite Anjo Azul.

Ganha uma bolsa de estudos e vai para Paris  sendo aluno de André Lhote e da École National de Beaux Arts de Paris. Ao terminar a bolsa decidiu percorrer a Itália para ver de perto os clássicos. Voltando assinou uma coluna no então Jornal da Bahia  chamada de Pintura onde discorreu sobre importantes artistas entre eles Van Gogh (1853-1890), Winslow Homer, (1836-1910), Paul Cézanne (1839-1906), Maurice Utrillo (1883-1955), Georges Rouault (1871-1958), Georges  Braque (1862-1963) e Paul Gauguin,(1848-1903), dentre outros .

Foi nesta viagem à Europa que descobriu os tapetes e em particular a tapeçaria-mural. Mostrou seu primeiro tapete ainda em Paris na Galeria Mai denominada Plantas Tropicais. 

Em 1950  ao regressar participou da 1ª Bienal de São Paulo, e pintou em afresco seco, os murais do Hotel da Bahia, que denominou de Festas Regionais de 200 metros quadrados, que lhe consumiu dois anos e meio de trabalho.

Fez dezenas de exposições aqui e no exterior e tem obras espalhadas em vários museus brasileiros  e de outros países, além de estar presente em coleções particulares importantes.

Está na coleção Plásticos da Bahia editado pelo professor Junot Silveira, na época Diretor da IOB, que editava o Diário Oficial da Bahia, e depois se transformou na Empresa Gráfica da Bahia. A apresentação é de Jorge Amado que à certa altura escreve : "Estamos diante de um artista em plena maturidade criadora ou seja , no instante do completo domínio de seu ofício, quando tudo se torna mais difícil,mais duramente conquistado, quando a obra se realiza numa complexidade de buscas e de soluções". E em outro trecho diz : "Sua tapeçaria nasce da pintura , uma pintura que é a luz da Bahia e sua sabedoria popular".


Encontro

Num domingo pela manhã saí com a família para dar uma volta no Campo Grande. Nesta ocasião morava na Rua Sabino Silva, no bairro do Chame Chame. Depois de apreciar a beleza do monumento da Independência da Bahia, conhecido por monumento ao Caboclo, resolvemos ir até o Passeio Público. Ao chegar nas imediações do Hotel da Bahia, na calçada do lado oposto, avistamos uma casa que estava com as portas abertas e nas paredes muitos pequenos quadros expostos. Resolvemos entrar e ninguém menos estava ali sentado com uma pequena faca nas mãos e uma batata. Era o artista Genaro de Carvalho que naquele momento estava fazendo suas pesquisas para criar uma nova tapeçaria. Conversamos alguns instantes e ele sempre calmo e disposto a explicar para aquelas pessoas estranhas e curiosas, embora não conhecessem quase nada da arte da tapeçaria. Se este encontro tivesse ocorrido recentemente certamente estaria aqui publicando algumas fotos. Mas, na época poucas pessoas dispunham de máquina fotográfica, e claro o celular não existia.

Outra curiosidade sobre Genaro é que  tinha muito cuidado em preservar as mulheres da Ilha de Itaparica que teciam os seus tapetes. Alguns dizem que ele mantinha um certo mistério e não gostava muito de falar sobre elas para evitar que outras pessoas as procurassem para tecer  tapetes. Mas, um galerista famoso na época descobriu o "segredo" e passou a fazer tapetes e procurou as tecelãs da Ilha.

Não se sabe o desfecho final, mas o galerista, e também tapeceiro, continuou sua jornada. Porém, os tapetes de Genaro de Carvalho têm uma marca própria pelas suas composições e cores especiais. É fácil reconhecer um tapete de sua autoria pelos desenhos de folhas, flores ,borboletas e outros elementos tropicais, é é claro pela composição e o colorido. Até hoje é o melhor e mais famoso tapeceiro do Brasil.

Também, é bom lembrar que  fazia suas pinturas em cartões que enviava para as tecelãs e costumava acompanhar o trabalho com muito zelo. Muitos destes originais  emoldurava e colocava nas paredes de sua casa. Além disto Genaro era um exímio desenhista, e para finalizar algumas palavras do artista que estão no catálogo da exposição que fez na Galeria Astréia, em São Paulo: "A arte que faço é uma arte de amor, sempre foi. Faço porque gosto, e desejo que outros gostem também. Nunca foi nem será uma arte hermética, não é uma arte de revolta nem uma arte de protesto, mas isso não quer dizer que esteja de acordo com as dores do mundo contemporâneo". Isto foi em dezembro de 1968.


Por Reynivaldo Brito



ARTIGO PUBLICADO ORIGINALMENTE EM: Blog Artes Visuais, em 2 de agosto de 2020

IMAGEM DE CAPA: Blog Artes Visuais

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