Ainda o Anjo Azul
31.8.20
Depois de ler recentemente neste jornal duas crônicas deliciosas sobre o Anjo Azul, uma de Luiz Mott e a outra de Paulo Ormindo Azevedo, peço licença para enfocar aqui alguns outros aspectos envolvendo aquela tradicional casa noturna de Salvador. Para começar, lembraria a transformação operada no mundo inteiro com o surgimento do rock’n’roll na era dos Beatles e Elvis Presley. Disso resultou a moda das boates, frequentadas especialmente pela juventude endinheirada e inclusive pela chamada alta sociedade. Então surgiram nas noites cariocas o Le Bateau e a parisiense Regine’s, e aqui em Salvador eram inauguradas filiais do próprio Regine’s (localizada no hotel Le Merídien) e do Hipopótamus (no Othon), além das boates Clock, XK e o Barroco, entre outras.
O próprio Anjo Azul teve que aderir à nova onda, passando a predominar o rock em sua pista de dança. Contudo, a casa não perdeu o charme. Logo na entrada, o visitante já se impressionava com a beleza do Anjo concebido no painel do artista plástico Carlos Bastos. Ao sentar-se à mesa, era de praxe o cliente pedir ao garçom o “xixi de anjo”, o tradicional coquetel da casa.
Ainda solteiro, frequentei o Anjo Azul algumas vezes, quase sempre em fins de noite. Nessa época a casa fora vendida ao jovem empresário Caetano Queiroz, que, socialmente bem relacionado, aos poucos foi transformando aquele tradicional reduto da intelectualidade baiana numa casa noturna de feição mais ao gosto dos simpatizantes do rock e da música mais badalada: eram tempos dos DJs. Recém-casado, eu passaria a ser frequência mais assídua no Anjo, devido inclusive a nossa amizade com Caetano. No meu livro Páginas Vividas (ed. 2018, p. 161/163), dedico uma crônica ao Anjo Azul e ali descrevo a minha preocupação com os movimentos que Regina, grávida do nosso primeiro filho, fazia para me acompanhar dançando ao ritmo frenético do rock. Foi uma loucura. A tal ponto que cheguei a pensar que a criança poderia nascer ali mesmo, na pista de dança. Finalmente, Sérgio viria ao mundo de parto natural, no Hospital Português, onde eu e a sogra Agi, sem conter o nervosismo pela espera de notícias, fumávamos um cigarro atrás do outro. Desesperado, e sem encontrar um local para guardar as pontas dos cigarros, eu tentei despejá-las pela janela e “zap”, o cinzeiro escorregou da minha mão e espatifou-se lá embaixo – por sorte, não atingiu ninguém.
Quanto a Sérgio, nasceu bem sadio e sem sequelas da pista de dança do Anjo Azul. A não ser, talvez, uma certa obsessão pelo cinema. Mas isto ele herdou dos pais, cinéfilos de carteirinha, mais ainda agora nesta quarentena do coronavírus, quando assistir a filmes torna-se uma opção quase obrigatória.
Por Antonio Carlos Nogueira Reis
Advogado, membro da Academia de Letras Jurídicas da Bahia
ARTIGO PUBLICADO ORIGINALMENTE EM: Jornal A Tarde, 19 de agosto de 2020
IMAGEM DE CAPA: Imagem de Free-Photos por Pixabay
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