Vendendo óleo de algodão do Ceará

30.6.20



Lá pelo inicio dos anos 70, eu já um homem feito, de uns 20 e poucos anos, casado e pai de uma menina linda, com o tanque cheio de energia, fui informado que seriamos representantes de um novo produto: Óleo de Algodão,  fabricado em Fortaleza. 

Naquela época, não se falava ainda de Soja, e o algodão era uma das alternativas.

Pois bem: acompanhado da informação, recebi de meu pai a determinação de que eu deveria estar em Fortaleza, no dia 02/01, às 08:00h., na fábrica, para uma reunião com o diretor comercial, que me apresentaria o produto e as instruções  para representa-los na Bahia.

Pense bem! Eu doido por festa, já com réveillon programado, que seria emendado com a procissão do Senhor dos Navegantes, e finalizado com banho de mar e moqueca de peixe no Boteco do Tião na Boca do Rio,  já fiquei atordoado!

Mas, tudo bem. Preparei minha maleta no dia 30, e já deixei no carro pronta para o que der e vier, inclusive com a passagem e reserva de hotel junto.

E me piquei para cumprir o exaustivo programa já prévia e meticulosamente planejado.

O resultado foi que, às tantas horas da tarde,  após o dia/noite/dia do primeiro do ano, lá eu estava, embarcado, ao lado de uma senhora cearense, bem nutrida, e com carinha de vó! Completamente exausto e um tantinho bêbado! 

Naquela época, não existiam voos diretos,  e o meu saindo de Salvador, faria escalas nas cidade de Aracajú, Maceió, Recife e Natal, antes de finalmente pousar em Fortaleza, lá pela meia noite.

Apaguei antes do avião decolar de Salvador, claro, e, quando dei por mim, ouvi alguma coisa como: nosso tempo de voo até Natal será de aproximadamente ...

Sem saber direito quem eu era, quanto mais onde estava, abri os olhos e me encontrei confortavelmente instalado nos seios  (colo?) da vozinha ao lado, sorrindo. Não lembro se me espreguicei; nem se pedi a benção!? Lembro de ter me ajeitado e dito: a senhora me desculpe, por favor!

E ela: 

- Ô meu filho, se eu tivesse que me aborrecer com você eu já estava desde Salvador. Você até que não incomodou. Tá cansado não é? Sabe que tu me lembra meu filho quando tinha sua idade?

E assim, neste papo pra lá de Marrakesh, chegamos a Fortaleza, e me despedi - para sempre - da minha vozinha querida!

Dia seguinte, às 8 em ponto, lá estava eu na fábrica e tive que esperar um bom tempo até o diretor chegar, atrasado, como todos os brasileiros chegam no dia 02/01. Menos um, EU!

Ouvi as explicações,  conheci a fabrica e os escritórios,  peguei as amostras, almocei e fui para o aeroporto fazer o caminho de volta: Fortaleza/Natal/Recife, Maceió, Aracajú e finalmente Salvador. É bom deixar claro que a viagem de volta demorou umas dez vezes mais que a de ida, dada a ausência de embriaguês, do cansaço e da avó.

Pois bem,  ao que interessa:

O maior comprador da Bahia, era a empresa Paes Mendonça & Cia. Ltda., e o produto, óleo comestível,  só o Presidente  podia comprar.

Era o Seo Mamede, como era conhecido. Personalidade carismática e encantadora, tinha como tempero à sua sina, ser gago!

No dia imediato ao meu retorno de Fortaleza, lógico, fui procurá-lo para oferecer o meu mais novo produto.

Ele era um gênio em compras e expert em esculhambar o produto do outros, e aí mandou:

- Conheço. Não é muito bom, mas compro 1.500 caixas se fizer a tanto!

A grande marca da época era o SALADA. Imbatível.

Eu fiquei mais feliz que pinto no lixo, afinal, logo na primeira visita, uma proposta, e de uma carga completa!!!

Voltei para o escritório, liguei para a telefonista, e pedi uma ligação interurbana para Fortaleza. A moça, muito educada, me disse que dentro de aproximadamente umas quatro horas, a ligação seria completada.  Na época, era o que tinha de melhor em termos de comunicação, os tais interurbanos.

Final da Tarde consegui falar com o diretor; ele não gostou da proposta, eu argumentei e finalmente ele disse que no dia seguinte me daria a resposta!

Como dormir?

Passei o dia inteiro grudado no telefone, e nada. Até que no final da tarde chegou a resposta: proposta aceita! pode fechar! 

Corri para o escritório de Seo Mamede onde não o encontrei. Saíra mais cedo para ir ao médico.

Por via das dúvidas, no dia seguinte logo cedo, passei no nosso escritório, emiti o formulário de pedido e o levei já pronto para ele assinar.

Cheguei em frente dele e mostrei  o pedido, dizendo: consegui aprovar a proposta do senhor; por favor, assine!

Ele  me olhou e disse:

- O que é isto?

Eu falei:

- A proposta que os senhor me fez, foi aprovada. Eu consegui!

Ele falou:

-Mas isto foi há três dias. Hoje eu não quero mais que já comprei mais barato!

Quase choro, me lembro.

Olhei pra ele sério e disse:

- Seo Mamede, saí daqui tal hora, pedi a ligação, esperei ........................................... e contei toda a via crucis para chegar àquele resultado, e agora, não está certo o senhor não querer mais! Por favor, assine o pedido!

Ele, com a cara meio séria (mas disfarçando um quase sorriso), pegou uma revista e me disse. 

- Até-té lo-logo.  Tô-tô com dor de baaaa-rriga! 

E sumiu!

E eu fiquei plantado na cadeira defronte da mesa dele, esperando sua volta.

Uma meia hora se passou (acho), quando percebi - parece mentira - ele escondido atrás de uma parede da sala,  me olhando para ver se eu saía.

Aí é que eu não ia sair mesmo.

Daqui a pouco ele entrou na sala e falou:

- Me dê aí logo, seu chato. Vou tomar prejuízo nessa compra!

E assinou.

Claro que ele não tomou prejuízo nenhum. E eu, feliz demais por ter fechado a venda, nem lembrei mais de quanto foi difícil! 

Rubem Passos Segundo
Salvador, outubro  de 2015


FOTO DE CAPA: Reprodução WEB

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