A experiência de vender na Bahia

23.6.20



Neste texto autobiográfico, relato o nascimento a estréia de um vendedor baiano. Eu!

Comecei a minha vida de vendedor aos 16 anos, como castigo imposto pelo meu pai.

A opção era: ou continuava no Colégio Militar onde entrei contra a sua vontade, pois ele achava - e com razão - que não ia dar certo;  ou saía, passava a estudar a noite e trabalhar durante o dia, como vendedor da sua firma, R. PASSOS & CIA. LTDA;

O Companhia Limitada  era minha mãe! 

E assim, passei um tempo acompanhando o meu pai, na época representante de grandes empresas na área de embalagens, cujos clientes eram as maiores empresas da Bahia, como Cimento Aratu, Barreto de Araújo, Baroid, Chadler, etc.

Fiquei fascinado com a simplicidade com que ele entrava nas salas dos diretores, almoçava com eles, jogava tênis, etc.

Pensei: M O L E Z A. Essa eu tiro de letra!

Findo o estágio, o meu pai me disse: O que você conheceu, são os MEUS clientes. Faça os SEUS!

Desapontado e preocupado, pensei: O que fazer?

Na época, representávamos também a divisão de Papel Celofane da Votorantim, e apesar de clientes industriais como a Suerdieck, havia os revendedores de miudezas que eram clientes naturais para o produto. Era por ali que iria começar.

Primeira visita: 16 anos, paletó - de ombreiras - e gravata, fui numa transversal da Rua Chile visitar um firma que vendia artigos para aniversário, de nome H. Alcântara Rodrigues. Fui atendido depois de aguardar umas 2 horas assistindo o proprietário, Sr. Alcântara vender aos seus clientes. Quando finalmente, ele se dignou perguntar o que eu queira, gelei, gaguejei, e quando consegui pronunciar a palavra Celofane, ele simplesmente, me pediu o mostruário, que era uma pequena cartela de cores, perguntou preços e detonou: 

ANOTE AÍ O PEDIDO!!!.

Desculpem, mais foi um SENHOR PEDIDO,  pois  ele tinha assumido algum compromisso grande, e PRECISAVA comprar.

Eu era o maior, ou como diria Chico Buarque, AGORA EU ERA O REI. 

Após assinar o pedido, o Sr.Alcântara perguntou: O que você é do Sr. R. Passos? Eu respondi - suando: vendedor!

E ele: Então diga ele para arranjar um lugar para você de datilógrafo na firma, e da próxima vez me mande um VENDEDOR! 

Aí é que eu suei mesmo. Fique encharcado!

Lógico que não fiz nada disso. Cheguei na maior pose, e entreguei ao meu pai o pedido como se fosse a coisa mais natural do mundo. Ele também fingiu - soube depois por minha mãe que ele ficou orgulhoso - e disse: continue seu trabalho, e só volte no final da tarde todos os dias, e não a cada pedido.

Foi aí que, senhoras e senhores, tive que,  de datilógrafo, virar vendedor. 

Nada mais simples. Pasmem: Juro, eu inventei a CRM. Isso mesmo, eu inventei a Gestão de Relacionamento com clientes na Bahia, ou aquele impronunciável nome em inglês: Customer Relationship Management.

Voltando ao tema:

Já tive escritórios em Recife, Aracajú, Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo. Andei muito por aí, visitei e vendi a todos os tipos de clientes, porém, venda gostosa, venda com sabor,  é a na Bahia!

É aqui que o vendedor se realiza!

O clima, a música, a culinária, a literatura, o futebol, o mar, os interesses, a forma de ser das pessoas, etc., me mostraram que - desde aquela época -  qualidade, bons produtos, preços adequados,  etc., eram questões básicas, para desenvolver suas habilidades de vendedor, estabelecendo, a cada contato um “Momento da Verdade”.
Este conceito, autoria de Richard Norman, é ponto chave na arte de vender e estabelecer uma completa interação com o cliente.

E aí, com a minha vocação de datilógrafo, e 2º grau no mais rigoroso Colégio da Bahia, comecei a ajudar os clientes a resolverem seus problemas.

Um não sabia calcular corretamente seus preços de venda, outro tinha uma marca esteticamente horrível, outro precisava de equipamentos ou até informações que não sabia onde nem como obter, além dos que precisavam de alguém com eu, torcedor do Bahia, para esculhambar. Na época, passei vender também CAL DE PEDRA, TELHAS E TIJOLOS,   e os clientes eram as casas de materiais para construção, e, na sua maioria de espanhóis,  torcedores do Galícia. A técnica era: se o Galícia ganhava, eu os visitava no dia seguinte, me esculachavam, e compravam alegremente o que eu queria - e precisava vender. Quando o Bahia ganhava, esperava uns dois dias para visitá-los. E aí, nem tocava no assunto.

Amizade conquistada, dava o troco: Devolvia toda a gozação com juros e correção monetária.

Continuei estudando, viajando, fazendo amigos e sobretudo lendo tudo que podia sobre tudo, e assim, naturalmente fui me tornando uma espécie de vendedor-consultor, e a parte menos difícil, era a venda mesmo. Não esquecia um aniversário, uma lembrança, um recorte de jornal do interesse de determinado cliente, ia de batizado a enterro de parentes. Isso sem falar nas vezes em que cheguei em casa de madrugada, cheio de cana, comemorando uma grande venda, com o próprio cliente que, às vezes, já compravam pensando na comemoração. Viva a Bahia!

Um dia, após ter feito a maior venda do ano ao meu maior cliente, ele disse: Você é o melhor cara de marketing que eu conheço, mas também o pior vendedor. Se fosse outro, eu não pagaria por esse preço nem com esse prazo de merda!

Acho que ali  estava concluída a minha graduação. 

Histórias ou estórias à parte, vender na Bahia, é dispor do cenário ideal para exercer a competência, habilidade, franqueza, cumplicidade e amizade.

É também, dispor do melhor laboratório  para idealizar produtos, serviços, campanhas, etc. 

Nizan, Duda, Daniel Dantas, Caetano, Dodô e Osmar, Jorge Amado, Josinha, Maurício Magalhães, e zilhares de outros baianos, saíram desse laboratório chamado Bahia.

Vocês, privilegiadas por nascerem ou trabalharem  aqui –não por acaso, mas como prêmio -  devem agradecer a Deus todos os dias.

Finalizando, mesmo os americanos tendo copiado a minha CRM, os Estados Unidos ficam lá longe. Aqui só dá nós!

Janeiro/2003

Rubem Passos Segundo


IMAGEM DE CAPA: Reprodução WEB

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